Hip hop como escola da vida
A periferia de Porto Alegre pulsa em resistência, no centro dessa movimentação está Negra Jaque, artista, educadora e militante que transforma sua arte em instrumento de transformação social. Nascida e criada em meio às contradições de uma cidade onde a desigualdade racial e econômica dita quem tem acesso a oportunidades, Jaqueline Trindade Pereira fez de sua trajetória um grito contra o apagamento das vozes negras.
Desde os primeiros versos, ela compreendeu que o hip hop vai além da música, é um espaço de acolhimento, de denúncia e de construção coletiva. Sua jornada começou no grupo Pesadelo do Sistema. Em 2013, se tornou a primeira mulher a vencer a tradicional Batalha do Mercado, consolidando sua presença na cena e abrindo caminhos para outras mulheres negras dentro do rap gaúcho.
A rapper gaúcha se destaca por sua presença nas ruas, escolas, centros culturais e batalhas, mas sua atuação ultrapassa os limites do palco. A educação tornou-se sua principal aliada na construção de um hip hop crítico, pautado pelo resgate da identidade e pela valorização da juventude negra periférica.
Educação e cultura: Caminhos de resistência
Sabendo que o racismo estrutural historicamente nega à população negra o acesso à educação, Jaque decidiu ocupar esse espaço. Tornou-se mestre em educação pela UFRGS, levando seus estudos para além da academia e utilizando o conhecimento como ferramenta de fortalecimento comunitário.
Foi com esse olhar que fundou o Galpão Cultural – Casa de Hip Hop no Morro da Cruz, um espaço voltado para a formação e autonomia de jovens negros, que encontram na arte um meio de reconstrução de sua autoestima e identidade. No Galpão, o hip hop se torna um refúgio para quem enfrenta diariamente o peso da exclusão, um lugar onde o conhecimento é compartilhado e expandido, permitindo que a cultura negra seja compreendida em sua totalidade.
Decola Hip Hop RS: fomento e reparação social
A atuação na militância cultural não se resume ao palco e à sala de aula. Com o Decola Hip Hop RS, um projeto que mobilizou R$ 2,4 milhões, fez com que impulsionasse 119 coletivos comunitários, beneficiando – os por categorias: breaking, djs, estúdios, grafites, moda, mídia audiovisual e hip hop em ação. A iniciativa fortalece a produção cultural da periferia e resgata a identidade negra através da arte.
Além de fomentar a cena artística, o Decola tem sido essencial para a reconstrução da cultura hip hop em todo o estado. Jaque viu no projeto uma oportunidade de recuperar a dignidade de quem vive e respira a cultura periférica.
Hip Hop TVE: Representatividade na tela
A educadora também leva a cultura hip hop para o audiovisual como apresentadora do Hip Hop TVE, um dos únicos programas na televisão aberta dedicados à música negra e periférica. Na tela, o hip hop ganha espaço como uma linguagem que informa, educa e resiste. O programa é mais do que uma plataforma musical, é um movimento que dá visibilidade a artistas e iniciativas que transformam comunidades através da cultura.
Discografia: A música como manifesto
A artista não apenas canta sobre resistência, ela constrói narrativas que formam um documento vivo da realidade negra no Brasil. Sua discografia reflete a potência da mulher negra na cultura, e cada álbum reafirma sua identidade e sua luta.
Seu primeiro EP, “Sou” (2015), marcou sua estreia oficial no cenário do rap nacional, trazendo um discurso afiado sobre pertencimento e identidade. Em 2018, veio “Deus Que Dança”, um trabalho independente que aprofundou sua conexão com a ancestralidade e a espiritualidade afro-brasileira.
O álbum “Diário de Obá” (2019) tornou-se um dos mais significativos de sua carreira, abordando temas como força feminina, resistência e negritude. Em 2022, Jaque lançou “Linhas de Cura: Rap, Negritude e Outras Formas de Existir”, conectando a música à literatura em um projeto que explora a força do hip hop como mecanismo de cura e empoderamento.
A literatura como ferramenta de reflexão e identidade
Negra Jaque também utiliza a palavra escrita como espaço de resistência. Seu livro Linhas de Cura: Ensaios Sobre Rap, Negritudes e Outras Formas de Existir une pesquisa acadêmica, letras de rap e poesia, produzindo um material que dialoga diretamente com a juventude negra e periférica.
A obra é uma extensão de sua trajetória no hip hop, mostrando que a palavra tem o poder de mudar histórias. O livro é mais do que um manifesto: é um convite para que jovens negros ocupem espaços e construam suas narrativas com autonomia, rompendo o ciclo do apagamento imposto pela sociedade.
Afrolaboratório: Arte, formação e autonomia
A inquietação de Negra Jaque com os limites impostos à juventude negra periférica levou a criar o Afrolaboratório, uma plataforma de formação, criação e articulação que une arte, educação e ativismo. O projeto nasceu como extensão de sua atuação no Galpão Cultural e se consolidou como um espaço de experimentação para o fortalecimento da identidade negra.
No Afrolaboratório, Jaque promove oficinas, rodas de conversa, intervenções urbanas e ações formativas que abordam temas como ancestralidade, feminismo negro, hip hop, educação popular e direitos humanos. O espaço funciona como um laboratório vivo, onde jovens podem desenvolver suas expressões artísticas e ampliar sua consciência crítica.
Mais do que um projeto cultural, o Afrolaboratório é uma estratégia de resistência e emancipação. Ele conecta saberes acadêmicos e populares, e transforma a arte em ferramenta de cura, empoderamento e transformação social. É nesse território que Jaque reafirma seu compromisso com a luta antirracista e com a construção de futuros possíveis para a juventude negra.
O compromisso com a luta antirracista
O hip hop sempre foi um movimento de resistência negra, e Jaque personifica essa história. Sua arte, sua militância e sua trajetória são um manifesto contra o racismo estrutural. Ela não apenas canta sobre os desafios impostos à população negra, ela os enfrenta e propõe caminhos para superar as barreiras do sistema.
A cada rima, afirma a potência da mulher negra periférica e transforma suas vivências em símbolos de resistência. Seu trabalho não pede licença: ele exige reparação, expõe desigualdades e se coloca como um elemento fundamental na construção de uma sociedade mais justa.
Legado e futuro: A arte como ponte para a transformação
A mestra, artista, educadora e apresentadora segue sua caminhada, ampliando horizontes e mostrando que a cultura negra não apenas resiste, mas prospera e transforma vidas. Sua trajetória é um manifesto vivo de que a periferia não é sinônimo de marginalização, mas sim de força, criação e potência.
A cada apresentação, cada oficina e cada jovem que encontra na cultura um motivo para seguir em frente, seu legado se fortalece. Quando a arte negra se ergue, ela não pede passagem, ela impõe, transforma e constrói futuros.
Siga a Negra Jaque no Instagram:
@negrajaqueoficial
Foto por: RKrebs





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